Uber e Cabify: projeto aprovado na Câmara inviabiliza aplicativos de transporte

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Não considerar esse tipo de transporte como de natureza privada é o “golpe” que derruba aplicativos como Uber e Cabify, do ponto de vista do Código de Trânsito Brasileiro

Poder público já demonstrou que não tem capacidade de ter sob seu domínio toda forma de controle (e renda) do sistema de transporte.

Por Paula Carolina

A polêmica aprovação, na última terça-feira, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 5587/16, que regulamenta o transporte de passageiros por meio de aplicativos como Uber, Cabify e outros, tomou conta dos noticiários e, como não poderia deixar de ser, apimentou discussões por meio das redes sociais. O PL, da forma como foi aprovado, é visto como um retrocesso, uma vez que, se de fato virar lei (agora segue para votação no Senado), poderá inviabilizar esse tipo de transporte.

Mas por quê? A alteração crucial foi a retirada do texto principal o trecho que estabelecia que o transporte individual de passageiros feito por meio desses aplicativos seria considerado uma “atividade de natureza privada”. (Sem falar na inclusão de mais taxas e impostos para esses motoristas… mas isso é discussão para um outro momento.)

Alguém aí lembra de quando os chamados “perueiros” viraram febre em várias partes do país e o transporte foi intensivamente combatido pelas autoridades, com altas multas e retenção dos veículos?

Sabe aquele conhecido seu, que tem uma van, mas não pode te levar para passear (recebendo dinheiro por isso) porque é considerado transporte irregular?

E aquele pessoal que ficava próximo às rodoviárias, tentando pegar passageiros para fazer pequenas viagens e ganhar um trocadinho extra? Também tinham que fugir da fiscalização.

Com quem oferecia transporte em carro particular para aeroportos, por exemplo, cobrando mais barato que os táxis (em Belo Horizonte isso era muito comum), não foi diferente. Estavam exercendo transporte irregular de passageiros.

O que todas essas situações têm em comum com o que acaba de acontecer com os aplicativos? Muita coisa. Na prática, se o PL virar lei como foi regulamentado pela Câmara dos Deputados e nada for mudado no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) vai tudo para o mesmo bolo.

O CTB completa 20 anos este ano e obviamente é de uma época em que aplicativos como o Uber eram impensáveis. O único transporte – remunerado – individual de passageiros que é regulamentado são os veículos de aluguel, como os táxis, que são de natureza pública.

É por esse motivo que haveria a necessidade de se conservar no PL a especificação do transporte feito por esses aplicativos como sendo de natureza privada, o que foi retirado.

Sem essa separação, do ponto de vista do CTB (artigo 231/VIII), “Transitar com o veículo efetuando transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente” é infração de trânsito, que gera multa, pontos na carteira e retenção do veículo.

É indiscutível que há sim a necessidade de algum tipo de regulamentação, já que o que se espera em qualquer tipo de transporte é um mínimo de segurança, tanto do ponto de vista da situação do veículo como da conduta do motorista. Mas fechar os olhos para o desenvolvimento de novas tecnologias e possibilidades que já são realidade em grande parte do mundo é, no mínimo, ilusão. Principalmente em se tratando de um país como o Brasil que não oferece transporte coletivo digno.

Se os aplicativos surgem como possibilidade e caem no gosto da população não é à toa. Como não foi à toa que apareceram as demais categorias comentadas acima (“perueiros” e outros formas de “transporte irregular”). E como não é culpa dos taxistas a expansão dos aplicativos. Esses também têm no transporte de passageiros seu ganha-pão, mas estão presos a regras que os demais não precisam cumprir.

O poder público já demonstrou que não tem capacidade de ter sob seu domínio toda forma de controle (e renda) do sistema de transporte. Trata-se de uma nova realidade, com diversos atores envolvidos e que precisam ter maior participação nas discussões e decisões, que não devem ser apenas políticas.