Código de Trânsito: projeto de Bolsonaro é sandice populista que vai matar inocentes

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Ao invés de premiar o bom motorista, mudança no Código de Trânsito Brasileiro beneficia quem comete infrações e crimes de trânsito, ampliando a violência nas ruas e estradas

Acidente com quatro mortos no PR: quer afrouxar as regras? primeiro reduza ao máximo o número de mortes. (Foto: PRF)
Acidente com quatro mortos no PR: quer afrouxar as regras? primeiro reduza ao máximo o número de mortes. (Foto: PRF)

 

Por Thiago Ventura

O trânsito no Brasil é um dos que mais mata no mundo. Somente em 2017, cerca de 37 mil brasileiros morreram e quase 500 mil ficaram feridos nas ruas e estradas – a maior parte deles homens e de idade entre 20 e 39 anos.  Esse número é maior do que algumas guerras pelo mundo. E qual a solução o governo aponta para isso? Afrouxar as regras, enquanto o mundo desenvolvido promove mais restrições.

A mudança foi entregue pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ)  ao presidente da Câmara e virou o o PL 3.267/2019. Vários itens do Código de Transito Brasileiro (CTB) serão alterados com destaque para o limite de pontos para o motorista perder a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), que sobe de 20 para 40 pontos. Além disso, o exame médico para renovação da CNH passou de cinco para 10 anos no caso de motoristas com até 65 anos de idade. Acima disso, o exame passa de três para de cinco em cinco anos.  Aliás, o exame poderá ser feito em qualquer clinica:não haverá mais obrigatoriedade de comparecer apenas nas credenciadas nos Detran.

O mesmo projeto também altera a legislação sobre o transporte de crianças nos veículos. O PL 3267/2019 acaba com a multa para o motorista que levar bebês e crianças sem o dispositivo de segurança. Atualmente, é uma infração gravíssima (7 pontos) com multa de R$ 293,47 e retenção do veículo. Se aprovado pelo Congresso, será punida apenas com uma advertência por escrito

O PL também acaba como  exame toxicológico para motoristas profissionais. Atualmente condutores de caminhões e ônibus (das categorias C, D e E) são  obrigados a fazer exame toxicológico ao renovar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). O exame detecta o uso de drogas, como por exemplo, os comprimidos chamados de “rebites”, estimulante que faz o cérebro trabalhar mais rápido, reduzindo o sono e o cansaço do motorista.  Ao utilizar tais substâncias, caminhoneiros conseguem rodar por mais horas sem a necessidade de parada.

 

Caminhoneiros sem exame de toxicidade e com porte de arma: Mad Max das estradas.
Caminhoneiros sem exame de toxicidade e com porte de arma: Mad Max das estradas.

 

Bolsonaro também acaba com a multa por dirigir sem o farol aceso durante o dia em estradas e transforma a infração por não utilizar capacete nas motocicletas de gravíssima para leve.  O presidente diz combater o que ele chama de industria da multa.  Mas será esse mesmo o problema?

A multa só existe para quem transgride uma lei. Uma multa por excesso de velocidade pode questão de vida ou morte para um eventual atropelamento de pedestre. Ao invés de premiar o bom motorista, mudança no Código de Trânsito Brasileiro beneficia quem comete infrações e crimes de trânsito ampliando a violência nas ruas e estradas.

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A ideia de acabar com a multa por transportar criança sem cadeirinha é uma sandice que já encontra críticas até mesmo na base aliada do presidente.  Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),  o o uso de cadeirinhas reduz em até 60% o número de mortes de crianças e jovens até 15 anos no transito. Ao isentar de multa, o país estará reduzindo o apelo para o uso do equipamento.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP),  a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) e a ONG Criança Segura Brasil informam que, entre 2008 e 2017, um total de 75.183 crianças de zero a nove anos foram hospitalizadas em
decorrência de acidentes de trânsito.  De 2001 a 2016, óbitos nessas faixas etárias chegaram a 18.954.  Diante deses números, acabar coma multa é ignorar o óbvio.

O aumento do limite para perda da CNH é outro grande equívoco. Ao ampliar o numero de pontos, o governo permite que motoristas imprudentes cometam mais infrações de transito antes de sofrerem um processo administrativo. É o medo de perder a CNH que faz motorista pensar duas vezes antes de cometar uma infração.  No resto do mundo acontece  justamente o contrário: os países estão fechando o cerco aos imprudentes.  Na Alemanha, o limite é de OITO pontos; algumas infrações como excesso de velocidade já suspendem a habilitação por uma mês, independente da pontuação. Em 2017, morreram cerca de 3 mil pessoas no trânsito lá, dez vezes menos que o Brasil. O 7×1 nunca tem fim.

O fim do exame toxicológico representa uma carta branca para que caminhoneiro utilizem os rebites e coloquem mais vidas em risco.

Se aprovado como está, o projeto que muda o Código de Trânsito Brasileiro vai significar um aumento no numero de acidentes e mortes.  Além de desobrigados a fazer o exame, a MP que libera armas ainda concede o porte a eles.

Passar a renovação de carteira para de 10 em 10 anos também é um contrassenso. Em uma década, mesmo uma pessoa saudável pode ter alterações visuais, físicas e até mentais que podem incapacita-la para dirigir. E após os 65 anos, o atual prazo de três em três anos é perfeitamente adequado.

Ser ‘liberal’ não quer dizer defender a ausência completa do Estado.  Esse existe para mediar as relações entre seus cidadãos, regulando os desvios.  Muitos dos países capitalistas adorados pelo presidente têm regras de trânsito ainda mais rígidas.  O projeto proposto é uma sandice populista sem qualquer embasamento científico com único objetivo agradar quem ignora os riscos de uma condução perigosa ao volante. Quer abrandar as regras? Primeiro trate de reduzir ao mínimo o número de mortos e feridos em acidentes automobilísticos. 

O trânsito do Brasil é um dos piores do mundo, com motoristas mal-educados que não respeitam a lei e muito menos o próximo.  E infelizmente, serão os inocentes, os que  cumprem a legislação e os limites de velocidade que costumam pagar com a vida pela imprudência alheia.

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