Legislação completa 20 anos entre erros e acertos. Código de Trânsito é responsável pelo amadurecimento das normas no Brasil, mas ainda há muito o que se fazer
Por Paula Carolina
Faltavam poucos minutos para meia-noite de 23 de janeiro de 1998. Em ambiente maciço de divulgação do “novo” Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que entraria em vigor a 0h daquele dia, o movimento de carros nas ruas de Belo Horizonte – e é provável que em todo o Brasil – era diferente do habitual.
O cenário era a Savassi, Centro-Sul da capital mineira, região de alta concentração de bares e restaurantes, área em que não era comum se parar em semáforos durante a madrugada. Naquela noite, no entanto, foram várias as freadas repentinas diante do vermelho e muita marcha-à-ré para que ficassem livres as faixas de pedestres. Era o início do Código e ninguém queria começar o ano com os tais pesados pontos no prontuário e multas no bolso. De fato parecia o início de uma nova era.
Oxalá as campanhas tivessem durado na mesma intensidade e esse pensamento de respeito à nova lei tivesse sido cada vez mais aprimorado.
Com o passar do tempo, logo nos primeiros anos o que se viu foi o afrouxamento de todos os lados. Sem que os municípios tivessem condição de assumir a completa municipalização do trânsito como determinado pelo CTB, a fiscalização e principalmente as campanhas educativas, outro foco básico da nova lei, foram perdendo intensidade.
Não demorou para que a possibilidade de arrecadação fácil fizesse brilhar os olhos dos mal-intencionados, surgindo a chamada indústria da multa. Radares escondidos, desnivelados e sem aferição (alvos de diversas ações judiciais em tramitação até hoje), para não mencionar outros tantos problemas advindos de aplicação de multas a ermo, acabaram por surtir efeito contrário. No lugar da conscientização, o desrespeito por parte do motorista.
Em contrapartida, veio a indústria dos tira-multa. Claro, surgiram muitos profissionais sérios que se debruçaram sobre os erros das autoridades em busca de defender o cidadão. Mas não foram poucos os aproveitadores que pediam dinheiro adiantado, “garantindo” derrubar as multas e, principalmente, os pontos (isso quando apareciam no prontuário). Perdidos nessa batalha, motoristas bem e mal-intencionados também afrouxaram em suas condutas, resultando nas estatísticas de guerra que retratam as mortes no trânsito brasileiro.
Sim, ainda há muito o que evoluir. Mas nem só de fracassos foram marcados esses quase 20 anos. É a partir da segunda década de Código, em especial, que começa o amadurecimento.
Importantes passos foram e continuam sendo dados. A Lei Seca, talvez o principal, ainda que engatinhando, já consegue mudar um pouco da cultura do beber e dirigir. O uso de radares administrados de maneira “mais séria”, assim como a adoção de regras básicas de direito no que diz respeito à defesa do motorista, ajudaram na recuperação de parte da credibilidade. Sem falar nos novos valores de multas, depois de congelados em quase todos esses anos, que pelo menos assustam o bolso.
Ainda que tímidas, as campanhas, sejam fruto da iniciativa pública ou privada, ganham um pouco mais de espaço na mídia tradicional, nas redes sociais, nas discussões de empresas.
Exigências importantes no campo da segurança viraram realidade: cadeirinhas e demais dispositivos de retenção infantil, airbag duplo e freios ABS como itens de série nos automóveis, sem falar em tantas outras determinações do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que, entre erros e acertos, vêm sendo responsáveis pelo amadurecimento das normas de trânsito no Brasil.
Em 2020, termina o período que ficou conhecido como Década de Ação pela Segurança no Trânsito, determinada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Com boa intenção e uma segunda dose de amadurecimento, ainda há tempo de se fazer história no trânsito desse País.
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