Você provavelmente deve ter visto na internet um alvoroço em volta do mais novo SUV do mercado, o Territory, trazido da China pela Ford. Nós mesmos, aqui no Carro Esporte Clube não apenas mostramos, como fizemos o test drive, ainda na China, a terra natal dele. Fato que ninguém mostrou ainda é a origem do Territory e que nós fomos atrás.
A chinesa JMC, dona do projeto do Ford Territory e que produziu o SUV até 2018 – considerado arcaico pelos chineses – é parceira da Ford na China e é focada no mercado local, abastecendo os chineses com produtos de baixo custo. O SUV S330 custava pouco mais de 7 mil dólares (cerca de R$ 38 mil numa conversão direta). Hoje ele é produzido apenas pela Ford China, de onde é importado pelo Brasil e Filipinas, além de abastecer o mercado chinês.
Para ter mais um SUV para chamar de seu na Ásia, a divisão chinesa da marca americana deu um pequeno tapa em detalhes do visual do S330, trocou os logos, o rebatizou de Territory e dobrou o valor da etiqueta e iniciou as vendas na China. Lá, o Ford Territory SEL 0km custa o equivalente a cerca de R$ 70 mil (valores que encontramos em concessionárias de Guangzhou e de Xangai) enquanto seu irmão gêmeo que ficou com a parte pobre da família, custa menos de R$ 40 mil. Aqui no Brasil, conseguiu surpreender a todos pelo valor, que começa em R$ 165 mil e chega aos R$ 187 mil na versão Titanium.
O conjunto mecânico é basicamente o mesmo: motor quatro cilindros 1.5 (baseado num projeto da Mitsubishi da década de 1970), turboalimentado, com injeção direta de combustível e que rende 150 cv de potência e comedidos 22 kgfm de torque. Mas o pior é que não é um motor flex ou seja, apenas gasolina como opção no tanque. Como diria nosso amigo Emílio Camanzi: que mancada, dona Ford!
Já o nome Territory, a Ford trouxe da Austrália. Lá a Ford produziu e vendeu um SUV de grande sucesso (também vendido na Nova Zelândia) mas que deixou de ser produzido quando a Ford fechou a única fábrica que tinha no país da Oceania, em 2016. A única herança que o Territory chinês recebeu do australiano foi o nome. O SUV australiano não deixou substituto e não há previsão do Territory ser importado da China para a Austrália. A Ford sabe que o exigente consumidor australiano não receberia bem um substituto chinês.
Para o mercado brasileiro, a ideia seria concorrer com Jeep Compass, Chevrolet Equinox e Volkswagen Tiguan, mas todos esses vieram de projetos próprios, mais atuais e possuem relação custo benefício muito mais atraentes do que o Ford chinês. A “novidade” da Ford perde para todos os seus concorrentes em motorização e preço.
Mas o que fez a Ford trazer um modelo da China para o Brasil?
Com o mercado de SUV em ebulição no Brasil, a Ford precisava urgentemente de um modelo posicionado acima do EcoSport para brigar no concorrido segmento e assim tentar se reerguer da crise que a empurra ladeira abaixo há mais de um ano. Para se ter uma ideia, nesse período ela perdeu mais de 40 concessionárias no Brasil, uma fábrica e deixou de produzir seis modelos. Em crise mundial, a Ford optou em abandonar alguns modelos de passeio para investir no segmento de veículos utilitários. Vocês devem se lembrar que a Ford acabou praticamente ao mesmo tempo com o Fiesta, Fiesta Sedan, Focus, Focus Sedan, a picape Ranger com motor flex e por último o sedã Fusion, que vinha do México. Além dos carros de passeio, a Ford parou de comercializar caminhões no país, deixando de produzir todos os modelos Cargo e série F. Com isso, a fábrica do ABC paulista foi fechada e três mil trabalhadores ficaram sem emprego.
Toda essa decadência da marca se reflete puramente em números. Das chamadas “quatro grande marcas do Brasil” (VW, Chevrolet, Ford e Fiat), a Ford foi a única a registrar queda nas vendas no ano passado. No primeiro semestre deste ano, a Ford amargou apenas um sexto lugar nas vendas, ficando atrás de, além de todas as outras “três grandes marcas”, mas também de Hyundai e Renault, marcas não tradicionais no top 5 do mercado. E por pouco não perdeu para a Toyota, que ficou atrás da Ford por uma diferença de menos de dois mil carros. Se considerarmos os números mais recentes do mercado, do mês de julho, o cenário é ainda mais triste para a marca americana. Nenhum de seus modelos ocuparam uma vaga na lista dos 10 mais vendidos do Brasil. Seu melhor resultado foi um tímido 11° lugar com o compacto Ka, que ficou atrás modelos como Renault Kwid, Jeep Renegade, Fiat Argo, Jeep Compass, Chevrolet Tracker e Volkswagen T-Cross.
O resultado não poderia ser outro. O número de concessionárias no país caiu drasticamente. Foram 43 pontos de vendas que fecharam as portas em um ano e o posto que a Ford ocupava, de ser a quarta marca mais popular do Brasil, foi perdida para a Renault. Então se a Ford enxergou em seu SUV fabricado na China – e aqui vendido por R$ 187 mil – uma maneira prática e rápida de engordar seu caixa, a decisão pode ter sido um tiro no pé.
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