Procuradoria Federal arquiva inquérito civil contra a Volkswagen por participação na Ditatura. Pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), marca alemã inicia ações de reparação dia 21 de janeiro
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – órgão do Ministério Público Federal (MPF) – homologou, na última sexta-feira (15), a promoção de arquivamento do inquérito civil que apura a participação da Volkswagen do Brasil em violações aos direitos humanos no regime ditatorial (1964-1985). Com a decisão, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado mantém o dia 21 de janeiro como data prevista para o início das obrigações acordadas pela empresa, que envolvem o pagamento de R$ 36,3 milhões. O procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, ressaltou na decisão que o conjunto probatório produzido em cinco anos é bastante satisfatório, o que permitiu “concluir pela existência de um cenário de persistente e consistente colaboração ativa da Volkswagen com o regime militar”.
Vilhena determinou o envio de cópia da decisão para conhecimento dos membros do MPF em todos os estados brasileiros integrantes do “Sistema PFDC”, com o objetivo de estimular debates e ações sobre a promoção da memória e da verdade pelo país e da responsabilização de empresas participantes de e/ou coniventes com violações de direitos humanos. Para ele, o caso é paradigmático, pois “além de se constituir em verdadeiro leading case administrativo, abre caminho para futuras responsabilizações e possibilita que a sociedade avance na discussão do respeito devido aos direitos humanos, principalmente aos de seus trabalhadores, pelas empresas instaladas em território nacional”.
Todas as cláusulas do TAC e todos os pontos do inquérito civil, que somaram mais de 1,2 mil páginas, foram analisados. Embora não haja prazo para a análise, a decisão saiu em menos de 60 dias, incluindo o recesso Judiciário, no período de 20 de dezembro a 6 de janeiro.
Entre as principais questões avaliadas, esteve pedido de reconsideração da assinatura do termo, formulado por centrais sindicais e outras entidades da sociedade civil. Segundo Vilhena, as razões apresentadas para impugnação do TAC “não são suficientes para (…) invalidar o ajuste celebrado entre o Ministério Público Federal – MPF, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP/SP), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotores – VW do Brasil”.
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Com a negativa ao pedido de reconsideração, foi mantida a destinação dos recursos para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDDD) e o Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados, ao Memorial de Luta por Justiça desenvolvido OAB de São Paulo e, ainda, à Universidade Federal Paulista (Unifesp). Preservou-se, também, a reparação direta a ex-trabalhadores da VW do Brasil, com a doação de R$ 16,8 milhões para a Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Volkswagen.
Ao concordar com o arquivamento do inquérito civil, o PFDC reforçou a consistência das investigações realizadas, destacando que um prolongamento da sua duração “traz o risco de nunca se chegar a conclusão alguma, resultando em prejuízos irreversíveis para a memória e a verdade dos trabalhadores afetados pelas condutas da VW do Brasil no período em análise”.
Em 2017, a própria Volkswagen encomendou um estudo independente para analisar o seu passado. O pesquisador Christopher Kopper, professor da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, apresentou o resultado em 2017, apontou que a Volkswagen foi “irrestritamente leal ao governo militar” no Brasil “e compartilhou seus objetivos econômicos e de política interna”.
Segundo o Kopper, até 1979 a Volks mantinha um “apoio irrestrito” à ditadura que não se limitava a declarações de lealdade pessoais. Em 1969, foi iniciada uma parceria entre a segurança da montadora e a polícia política do regime militar. O chefe do departamento de segurança industrial, Ademar Rudge, era um oficial das Forças Armadas. Consta no relatório que as trocas de informações levaram à prisão ao menos sete empregados da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Um dos presos, o operário Lúcio Bellentani, relatou à Comissão Nacional da Verdade (CNV), que a segurança industrial da Volks não só permitiu sua prisão, como também a tortura.
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O documento aborda também a utilização do termo “doação” aos pagamentos que serão realizados pela VW do Brasil. Vilhena explica que apelidar de doações não desvirtua a real natureza dos recursos a serem pagos pela empresa, pois “a sociedade brasileira, por meio deste IC, passará a ter acesso a informações consistentes e aprofundadas de resgate da memória e da verdade, com a demonstração inequívoca da participação da VW do Brasil nas violações perpetradas pelos órgãos de repressão, durante o regime militar”.
Este foi o primeiro termo de ajustamento analisado pela PFDC após edição da Portaria PGR/MPF 841, de 30 de setembro de 2020, pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O normativo devolveu ao procurador federal dos Direitos do Cidadão a atribuição de revisar as promoções de arquivamento de inquéritos civis, procedimentos administrativos e peças informativas que tiverem por fundamento, total ou parcial, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Na decisão, Vilhena explicou a mudança da atribuição. Segundo ele, a concentração dessa atribuição nas mãos dos Núcleos de Apoio Operacional à PFDC (Naops), que são estruturas regionalizadas, “acabava por obstar – não intencionalmente, por óbvio – que matérias de verdadeiro interesse nacional fossem disseminadas em todo o território nacional”.
O procedimento retorna agora à origem (PRDC/SP) para cumprimento das obrigações assumidas no TAC.
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